terça-feira, 20 de novembro de 2012

SÃO PAULO E SANTA CATARINA: “Onda de Violência” ou Terrorismo de Estado?



Ao se digitar a expressão “onda de violência” no site de busca Google, nas primeiras ocorrências estão as páginas web das empresas ligadas às organizações Globo e outras agências de noticias[1]. As manchetes são unânimes: “Onda de violência faz PM suspender férias de soldados em SC”, “Bebê assassinado em onda de violência é enterrado em SP”, “PM confirma terceira morte em onda de violência em SC”, e por aí vai... Todos empenhados em culpar a tal onda, como se essa surgisse do nada, sem motivo algum, estivesse em todas as partes ao mesmo tempo, não tivesse cara nem identidade. Como se tratasse de uma fatalidade, uma “crise”, uma catástrofe natural, como um tufão ou um terremoto. Ou ainda, como se fosse uma epidemia que tomasse conta da população, uma estranha enfermidade que faz as pessoas atirarem umas nas outras e a única solução para esse infortúnio seja colocar os militares nas ruas e fazer cessar a, então, “onda de violência”.  Porém, tenho motivos para acreditar que isso não acontece dessa maneira e que a solução mais apresentada seja justamente a causa de toda essa situação: Mais polícia, mais repressão, mais cadeia...
Quilombo dos Palmares, Porongos, Cabanagem, Sabinada, Balaiada, Canudos, Contestado, ditadura do estado novo, ditadura militar, Eldorado dos Carajás, Corumbiara, Candelária, Vigário Geral, Carandiru... Quantas chacinas, massacres e episódios sangrentos mais poderíamos elencar aqui, haveria folhas de papel ou espaço virtual suficiente na internet para tudo isso? Difícil dizer. A questão é que esse imenso pedaço de terra, conhecido por muitos como o país de nome Brasil, está completamente submerso em um passado e presente ensanguentados. O estado brasileiro, durante todos esses anos, cresceu e se estruturou, em parte, evidentemente, pelos impostos extraídos do suor de cada trabalhador e trabalhadora, mas também derramando uma boa quantidade de sangue dos seus ditos cidadãos, mais especificamente, aqueles que vivem nas periferias dos centros urbanos, que vivem nas florestas, nas beiras das estradas, embaixo das marquises e das pontes, que têm cor escura, que lotam o sistema prisional... Enfim, como poderia o opressor apresentar soluções para os problemas dos oprimidos?
As grandes corporações midiáticas brasileiras cantam, em coro, o mesmo refrão: a “onda de violência”. Falam também de uma “força-tarefa” articulada pelo ministro da justiça, José Eduardo Cardozo e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Entre as medidas adotadas estão o controle das fronteiras paulistas, contra a entrada de armas, a transferência de líderes do PCC para presídios federais, entre outras coisas. Se esses veículos de comunicação ou se esses governantes se dignassem a conversar com moradores das comunidades paulistanas e com membros do movimento Mães de Maio[2], saberiam que praticamente todas as mortes civis dessa chamada “onda de violência” não foram efetuadas por armas oriundas de fora desse estado e nem ordenadas por qualquer liderança do dito crime organizado. A maioria das balas que tem tirado a vida dos jovens negros nas periferias de São Paulo possui o calibre e especificações das usadas pela PM, ou seja, são financiadas pelos impostos pagos pelos chamados cidadãos paulistas, em última instância, são financiadas pelo estado brasileiro.  
Atirar primeiro, perguntar depois: A prática mais comum da polícia brasileira, sendo a paulista uma das suas mais fervorosas amantes. Desnecessário citar os casos de pessoas desarmadas, indefesas e sem ficha criminal assassinadas pelos agentes de segurança, basta uma pequena pesquisa para constatar tal fato. A pena de morte não existe nesse país. Juiz algum, em qualquer tribunal do estado brasileiro está autorizado a condenar quem quer que seja a morrer por seu crime. Não é o caso dos policiais, não só os de São Paulo, mas fiquemos com estes, pois é deles que tratamos nesse texto. Essas pessoas, à serviço do estado e, supostamente, a serviço do cidadão, tem o poder de prender, julgar, condenar e aplicar a sentença escolhida (normalmente, de morte), muito rapidamente, com absoluta conivência das autoridades superiores a elas e total aceitação por parte de uma sociedade amedrontada por uma mídia cúmplice de tais atrocidades, sim, cúmplice, à medida em que se presta a veicular a infame versão de “onda de violência”.
“Deus cria, a ROTA mata”. Quem nunca escutou esse bordão? Célebre frase que exemplifica a política sanguinária de um estado para com suas questões internas. Não raro, a crítica a tal postura é tratada como cumplicidade com o dito crime organizado, tornando o crítico alvo em potencial para os agentes do estado. É o caso do repórter do jornal Folha de São Paulo, André Caramante[3], obrigado a mudar de país com sua família depois de suas reportagens sobre a violência policial e os chamados “autos de resistência” provocarem a ira do vereador de São Paulo, Coronel Telhada, ex-comandante da ROTA. Alguém aí se lembrou da ditadura militar? Pois é, em 2012 pessoas ainda são forçadas ao exílio por suas opiniões. E sob um Brasil governado pelo PT, tendo, à frente, uma mulher ex-presa política dos anos 70. O que esperar dessa situação?
Pois bem, como se não bastasse essa política oficialesca de morte, ainda temos os grupos clandestinos de extermínio atuando amplamente nas periferias de São Paulo[4]. Formados por policiais e ex-policiais, representam uma parte triste da cultura política da direita latino americana. A antiga OBAN (Operação Bandeirantes) que perseguiu e exterminou militantes da resistência à ditadura militar nos anos de chumbo, se estruturou a partir desses infames esquadrões da morte que já existiam nesse período. E parece que nunca deixaram de existir. Sua violência, hoje, é direcionada preferencialmente aos membros das ditas facções criminosas, porém, matar indiscriminadamente nos bairros pobres é parte essencial de sua prática, numa clara intenção de espalhar o terror e manter o povo dessas localidades sob controle. Nisso que os meios de comunicação também chamam de guerra entre PM e PCC, vemos episódios que, ressalvas feitas, em muito lembram o confronto entre as tropas alemãs e a resistência nos territórios ocupados durante a Segunda Guerra Mundial. Um soldado nazista era morto, em represália, uma aldeia era invadida e trucidada. Em São Paulo, dos inícios do século XXI, um PM é atingido, como resposta, homens pilotando motos e usando capuzes fuzilam o primeiro grupo de jovens, na primeira esquina de alguma periferia paulistana. A mesma dinâmica é vista nas duas situações. 
A essa altura do texto já devo estar sendo considerado um “defensor de bandidos”, assim como em outros tempos, outras pessoas foram taxadas de “comunistas”, “hereges” ou “infiéis”. Mas isso não me preocupa, o que, sim causa preocupação é que uma instituição, como o estado brasileiro, através de seu braço armado, promova todo tipo de atrocidades e desrespeito aos direitos humanos e seja acobertado por uma mídia que espalha a versão mais ampla e impessoal possível como a da “onda de violência”, sem levantar absolutamente suspeita alguma sobre essas práticas terroristas de estado. Práticas que, de fato, estão sendo combatidas. Sim, se alguma coisa vai fazer essa política assassina recuar, nas ruas e nas prisões, nesse momento, é a ação do chamado crime organizado. As facções nascidas dentro do sistema penitenciário desse país, ou seja, nas barbas do estado, conhecem muito bem a linguagem da violência estatal e respondem na mesma moeda, talvez não na mesma intensidade. O chamado PCC ou, o recentemente descoberto, PGC (de Santa Catarina, como já foi visto na mídia nacional, outro estado que conta com uma polícia assassina e brutal) têm como matriz o sujeito social mais desprezado, o presidiário. Majoritariamente oriundos da porção mais pobre economicamente da nossa sociedade, de cor negra e sem muita instrução escolar, quando cumprem suas penas, os únicos que lhes dão “abrigo” do lado de fora das grades são essas organizações. Eles são tudo o que o estado brasileiro mais odeia e teme, eles são o seu pior pesadelo. Preferindo o extermínio a dar dignidade a essas pessoas, as elites desse país fabricam a sua própria antítese e, de certa maneira, se alimentam mutuamente, um não vivendo sem o outro.
Apenas uma sociedade sem opressão, que valorize mais a vida das pessoas do que a propriedade privada poderá pôr fim a essa violência interminável. É preciso dignidade, respeito aos direitos humanos, não mais brutalidade policial, não mais grupos de extermínio, não mais terrorismo de estado, não mais mídia mentirosa. Estas instituições não estão preocupadas com nosso bem estar e segurança, apenas estão interessadas em nossa submissão. Não se submeta, resista!

Rafael Martins da Costa


[1] Busca feita em 19 de novembro de 2012.
[2] http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/cotidiano/2346-ataques-em-sp-membro-do-maes-de-maio-fala-da-violencia
[3] http://www.viomundo.com.br/denuncias/caramante-tempos-atras-policiais-a-paisana-fotografaram-minha-familia-durante-um-passeio.html
[4] http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/component/content/article/207-revista/edicao-186/2519-em-cada-batalhao-da-pm-tem-um-grupo-de-exterminio-por-tatiana-merlino

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