Ao se digitar
a expressão “onda de violência” no site de busca Google, nas primeiras ocorrências estão as páginas web das empresas ligadas às organizações
Globo e outras agências de noticias[1]. As
manchetes são unânimes: “Onda de violência faz PM suspender férias de soldados
em SC”, “Bebê assassinado em onda de violência é enterrado em SP”, “PM confirma
terceira morte em onda de violência em SC”, e por aí vai... Todos empenhados em
culpar a tal onda, como se essa surgisse do nada, sem motivo algum, estivesse
em todas as partes ao mesmo tempo, não tivesse cara nem identidade. Como se
tratasse de uma fatalidade, uma “crise”, uma catástrofe natural, como um tufão
ou um terremoto. Ou ainda, como se fosse uma epidemia que tomasse conta da
população, uma estranha enfermidade que faz as pessoas atirarem umas nas outras
e a única solução para esse infortúnio seja colocar os militares nas ruas e
fazer cessar a, então, “onda de violência”. Porém, tenho motivos para acreditar que isso
não acontece dessa maneira e que a solução mais apresentada seja justamente a
causa de toda essa situação: Mais polícia, mais repressão, mais cadeia...
Quilombo dos
Palmares, Porongos, Cabanagem, Sabinada, Balaiada, Canudos, Contestado,
ditadura do estado novo, ditadura militar, Eldorado dos Carajás, Corumbiara, Candelária,
Vigário Geral, Carandiru... Quantas chacinas, massacres e episódios sangrentos
mais poderíamos elencar aqui, haveria folhas de papel ou espaço virtual
suficiente na internet para tudo isso? Difícil dizer. A questão é que esse
imenso pedaço de terra, conhecido por muitos como o país de nome Brasil, está
completamente submerso em um passado e presente ensanguentados. O estado
brasileiro, durante todos esses anos, cresceu e se estruturou, em parte,
evidentemente, pelos impostos extraídos do suor de cada trabalhador e
trabalhadora, mas também derramando uma boa quantidade de sangue dos seus ditos
cidadãos, mais especificamente, aqueles que vivem nas periferias dos centros
urbanos, que vivem nas florestas, nas beiras das estradas, embaixo das
marquises e das pontes, que têm cor escura, que lotam o sistema prisional...
Enfim, como poderia o opressor apresentar soluções para os problemas dos
oprimidos?
As grandes
corporações midiáticas brasileiras cantam, em coro, o mesmo refrão: a “onda de
violência”. Falam também de uma “força-tarefa” articulada pelo ministro da
justiça, José Eduardo Cardozo e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Entre as medidas adotadas estão o controle das fronteiras paulistas, contra a
entrada de armas, a transferência de líderes do PCC para presídios federais,
entre outras coisas. Se esses veículos de comunicação ou se esses governantes
se dignassem a conversar com moradores das comunidades paulistanas e com
membros do movimento Mães de Maio[2],
saberiam que praticamente todas as mortes civis dessa chamada “onda de
violência” não foram efetuadas por armas oriundas de fora desse estado e nem
ordenadas por qualquer liderança do dito crime organizado. A maioria das balas
que tem tirado a vida dos jovens negros nas periferias de São Paulo possui o
calibre e especificações das usadas pela PM, ou seja, são financiadas pelos
impostos pagos pelos chamados cidadãos paulistas, em última instância, são
financiadas pelo estado brasileiro.
Atirar
primeiro, perguntar depois: A prática mais comum da polícia brasileira, sendo a
paulista uma das suas mais fervorosas amantes. Desnecessário citar os casos de
pessoas desarmadas, indefesas e sem ficha criminal assassinadas pelos agentes
de segurança, basta uma pequena pesquisa para constatar tal fato. A pena de
morte não existe nesse país. Juiz algum, em qualquer tribunal do estado
brasileiro está autorizado a condenar quem quer que seja a morrer por seu
crime. Não é o caso dos policiais, não só os de São Paulo, mas fiquemos com
estes, pois é deles que tratamos nesse texto. Essas pessoas, à serviço do
estado e, supostamente, a serviço do cidadão, tem o poder de prender, julgar,
condenar e aplicar a sentença escolhida (normalmente, de morte), muito
rapidamente, com absoluta conivência das autoridades superiores a elas e total
aceitação por parte de uma sociedade amedrontada por uma mídia cúmplice de tais
atrocidades, sim, cúmplice, à medida em que se presta a veicular a infame
versão de “onda de violência”.
“Deus cria, a
ROTA mata”. Quem nunca escutou esse bordão? Célebre frase que exemplifica a
política sanguinária de um estado para com suas questões internas. Não raro, a
crítica a tal postura é tratada como cumplicidade com o dito crime organizado,
tornando o crítico alvo em potencial para os agentes do estado. É o caso do
repórter do jornal Folha de São Paulo, André Caramante[3],
obrigado a mudar de país com sua família depois de suas reportagens sobre a violência
policial e os chamados “autos de resistência” provocarem a ira do vereador de
São Paulo, Coronel Telhada, ex-comandante da ROTA. Alguém aí se lembrou da
ditadura militar? Pois é, em 2012 pessoas ainda são forçadas ao exílio por suas
opiniões. E sob um Brasil governado pelo PT, tendo, à frente, uma mulher
ex-presa política dos anos 70. O que esperar dessa situação?
Pois bem, como
se não bastasse essa política oficialesca de morte, ainda temos os grupos
clandestinos de extermínio atuando amplamente nas periferias de São Paulo[4].
Formados por policiais e ex-policiais, representam uma parte triste da cultura
política da direita latino americana. A antiga OBAN (Operação Bandeirantes) que
perseguiu e exterminou militantes da resistência à ditadura militar nos anos de
chumbo, se estruturou a partir desses infames esquadrões da morte que já
existiam nesse período. E parece que nunca deixaram de existir. Sua violência,
hoje, é direcionada preferencialmente aos membros das ditas facções criminosas,
porém, matar indiscriminadamente nos bairros pobres é parte essencial de sua
prática, numa clara intenção de espalhar o terror e manter o povo dessas localidades
sob controle. Nisso que os meios de comunicação também chamam de guerra entre
PM e PCC, vemos episódios que, ressalvas feitas, em muito lembram o confronto
entre as tropas alemãs e a resistência nos territórios ocupados durante a
Segunda Guerra Mundial. Um soldado nazista era morto, em represália, uma aldeia
era invadida e trucidada. Em
São Paulo, dos inícios do século XXI, um PM é atingido, como
resposta, homens pilotando motos e usando capuzes fuzilam o primeiro grupo de
jovens, na primeira esquina de alguma periferia paulistana. A mesma dinâmica é
vista nas duas situações.
A essa altura
do texto já devo estar sendo considerado um “defensor de bandidos”, assim como
em outros tempos, outras pessoas foram taxadas de “comunistas”, “hereges” ou
“infiéis”. Mas isso não me preocupa, o que, sim causa preocupação é que uma
instituição, como o estado brasileiro, através de seu braço armado, promova
todo tipo de atrocidades e desrespeito aos direitos humanos e seja acobertado
por uma mídia que espalha a versão mais ampla e impessoal possível como a da
“onda de violência”, sem levantar absolutamente suspeita alguma sobre essas
práticas terroristas de estado. Práticas que, de fato, estão sendo combatidas.
Sim, se alguma coisa vai fazer essa política assassina recuar, nas ruas e nas
prisões, nesse momento, é a ação do chamado crime organizado. As facções
nascidas dentro do sistema penitenciário desse país, ou seja, nas barbas do
estado, conhecem muito bem a linguagem da violência estatal e respondem na
mesma moeda, talvez não na mesma intensidade. O chamado PCC ou, o recentemente
descoberto, PGC (de Santa Catarina, como já foi visto na mídia nacional, outro estado que conta com uma polícia assassina e brutal) têm como matriz o sujeito social mais desprezado, o
presidiário. Majoritariamente oriundos da porção mais pobre economicamente da
nossa sociedade, de cor negra e sem muita instrução escolar, quando cumprem
suas penas, os únicos que lhes dão “abrigo” do lado de fora das grades são essas
organizações. Eles são tudo o que o estado brasileiro mais odeia e teme, eles
são o seu pior pesadelo. Preferindo o extermínio a dar dignidade a essas
pessoas, as elites desse país fabricam a sua própria antítese e, de certa
maneira, se alimentam mutuamente, um não vivendo sem o outro.
Apenas uma
sociedade sem opressão, que valorize mais a vida das pessoas do que a
propriedade privada poderá pôr fim a essa violência interminável. É preciso
dignidade, respeito aos direitos humanos, não mais brutalidade policial, não
mais grupos de extermínio, não mais terrorismo de estado, não mais mídia
mentirosa. Estas instituições não estão preocupadas com nosso bem estar e
segurança, apenas estão interessadas em nossa submissão. Não se submeta,
resista!
Rafael
Martins da Costa
[1] Busca
feita em 19 de novembro de 2012.
[2] http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/cotidiano/2346-ataques-em-sp-membro-do-maes-de-maio-fala-da-violencia
[3] http://www.viomundo.com.br/denuncias/caramante-tempos-atras-policiais-a-paisana-fotografaram-minha-familia-durante-um-passeio.html
[4] http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/component/content/article/207-revista/edicao-186/2519-em-cada-batalhao-da-pm-tem-um-grupo-de-exterminio-por-tatiana-merlino
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